


Há exatos 23
anos e um dia, o comandante Fernando Murilo de Lima e Silva arriscava manobras
pioneiras em um Boeing 737-300 e impedia o sequestrador do voo Vasp 375 de
consumar o intuito de atirar a aeronave contra o Palácio do Planalto, onde José
Sarney exercia a Presidência do País.
Impondo ao
presidente da República a culpa por seu desemprego, o maranhense Raimundo
Nonato Alves da Conceição, então com 28 anos, queria punir o peemedebista hoje
presidente do Senado, homem que, segundo o comandante Murilo, nunca lhe
demonstrou qualquer reconhecimento.
"O
ex-presidente Sarney, sem comentários, nunca me dirigiu a palavra", afirma
o piloto, atualmente com 60 anos e ainda na ativa, voando em um Boeing 767 na
Rio Linhas Aéreas, companhia de transporte de cargas de Curitiba.
Naquele 29
de setembro de 1988, Murilo seguia de Porto Velho para o Rio de Janeiro e, após
escala em Belo Horizonte, teve o avião sequestrado. "Ele entrou no
avião com cem balas dentro do casaco jeans e um revólver. Deu, com certeza,
mais de 20 tiros dentro do avião", lembra o comandante, cujo copiloto
naquela manhã, Salvador Evangelista, foi morto a sangue frio por Nonato, que
estava "muito nervoso e arisco". Um tripulante em treinamento já
havia sido baleado na perna durante as tentativas do sequestrador de invadir a
cabine.
Murilo
conseguiu informar a torre de comando do sequestro e da mudança de rota para
Brasília. Das 50 mil libras de combustível que enchem o tanque de um Being 737,
ele se viu com 1,8 mil libras no céu de Goiânia.
Foi quando
um tonneau (giro completo sobre o eixo da aeronave) e um parafuso (trajetória
vertical descendente e em espiral), os únicos registrados até hoje no modelo,
derrubaram o sequestrador. "Fiz as manobras porque o combustível do
avião já havia acabado e o motor esquerdo parou primeiro. Resolvi brigar antes
de morrer. As únicas chances que tinha seriam com manobras com o avião, pois eu
estava amarrado no assento da cabine."
Mesmo com as
acrobacias, o aviador garante que os passageiros não entraram em pânico.
"Os passageiros foram espetaculares, não me deram nenhum problema." Com
Nonato desorientado, Murilo pôde aterrissar em segurança no aeroporto
internacional Santa Genoveva, na capital goiana.
A negociação
no solo se estendeu até o início da noite, quando Nonato tentou descer do
Boeing utilizando Murilo como escudo e foi baleado por policiais federais,
morrendo três dias depois. A última bala disparada pelo tratorista desempregado
atingiu a coxa de Murilo.
Embora não
tenha percebido reconhecimento do principal alvo do atentado, Murilo diz que
outras vidas salvas não lhe negaram homenagens. "Durante algum tempo, os
passageiros alemães mantiveram contato e faziam festa todos os anos no dia 29
de setembro, mas, com o passar do tempo, alguns morreram e a animação foi
acabando."
O comandante
não se permite entusiasmo ao falar das medalhas do Mérito Santos-Dumont e da
Ordem do Mérito Aeronáutico com que foi condecorado. "As mesmas medalhas
foram dadas à esposa do ex-presidente (Luiz Inácio) Lula (da Silva), ao, na
época, ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, e a muitos outros em quem não
vejo mérito algum para as mesmas."
Depois de
lecionar na Faculdade de Ciências Aeronáuticas da Universidade do Tuiuti, no
Paraná, o comandante Murilo voltou a ser piloto. Os 44 anos de profissão, que
somam 25 mil horas de voo, diz ele, "não deixam espaço para medo, mesmo
porque a aviação é muito segura".
De acordo
com ele, a segurança aeroviária melhora "a cada dia, porém a passos
curtos, que não acompanham o crescimento acelerado da aviação. A aviação
precisa de um grande e rápido investimento, mais pistas, mais equipamentos
eletrônicos de auxílio, mais treinamento para os controladores".
A
preocupação aumenta com a iminência de eventos como a Copa do Mundo de 2014 e
os Jogos Olímpicos de 2016. Segundo Murilo, os eventos "trazem riscos
muito grandes, com o aumento do fluxo e com a falta de equipamentos mais
modernos para o controle de tráfego, assim como a falta de mais pistas para
pouso e espaço físico para embarque e desembarque de passageiros e para o
estacionamento de aeronaves".
Entrevistado
por diversos veículos de comunicação logo após o atentado de 11 de setembro de
2001 nas Torres Gêmeas e no Pentágono, Murilo viu o ato terrorista de Curitiba,
quando ainda ministrava aulas na faculdade, 13 anos depois de garantir a
continuidade de cerca de 100 vidas sob a sua responsabilidade e de outras
tantas que, inabaladas, não fizeram questão de executar a simples manobra do
agradecimento.
Esta matéria foi publicada originalmente em 30 de setembro
de 2011.
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