Esta reportagem foi publicada no Globo, circula desde
hoje de manhã na página eletrônica do jornal e tem de ficar registrada aqui.
Eis o padrão de governança que vigia na Petrobras na gestão dos companheiros.
Já deveria ter tratado antes do assunto, mas o dia foi meio confuso, hehe.
Adiante. Trato da Petrobras no próximo post,
*
Por José Casado, Ramona Ordoñez, Bruno Rosa, Karla Mendes, Antonio Werneck e Thiago Herdy:
Bruno Chabas resolveu atualizar a correspondência quando viu um recado de Zoe Taylor-Jones, advogado da SBM, empresa holandesa que possui US$ 27,6 bilhões em contratos de navios e plataformas marítimas com a Petrobras. Eles lideravam a equipe que há meses revolvia os arquivos da diretoria recém-demitida. Rastreavam pagamentos de US$ 102,2 milhões em propinas a dirigentes da Petrobras, intermediados pelo agente da companhia no Brasil Julio Faerman. “Cavalheiros, sinto muito, mas esta é a última cereja do bolo”, ele escreveu a Chabas, presidente da SBM, e a mais quatro diretores, acrescentando: “Nós pagamos também a conta de telefone e de internet de Faerman”. Anexou uma fatura pendente de R$ 1.207,00 da operadora Sky. Era 1h35m da madrugada de terça-feira, 17 de abril de 2012. Com a agenda da manhã seguinte sobrecarregada pela auditoria, Chabas mandou uma resposta irônica antes de dormir: “Essa relação nunca pára de me surpreender”.
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Por José Casado, Ramona Ordoñez, Bruno Rosa, Karla Mendes, Antonio Werneck e Thiago Herdy:
Bruno Chabas resolveu atualizar a correspondência quando viu um recado de Zoe Taylor-Jones, advogado da SBM, empresa holandesa que possui US$ 27,6 bilhões em contratos de navios e plataformas marítimas com a Petrobras. Eles lideravam a equipe que há meses revolvia os arquivos da diretoria recém-demitida. Rastreavam pagamentos de US$ 102,2 milhões em propinas a dirigentes da Petrobras, intermediados pelo agente da companhia no Brasil Julio Faerman. “Cavalheiros, sinto muito, mas esta é a última cereja do bolo”, ele escreveu a Chabas, presidente da SBM, e a mais quatro diretores, acrescentando: “Nós pagamos também a conta de telefone e de internet de Faerman”. Anexou uma fatura pendente de R$ 1.207,00 da operadora Sky. Era 1h35m da madrugada de terça-feira, 17 de abril de 2012. Com a agenda da manhã seguinte sobrecarregada pela auditoria, Chabas mandou uma resposta irônica antes de dormir: “Essa relação nunca pára de me surpreender”.
Mais surpreendidos ficaram, dias atrás, os auditores e advogados
do Tribunal de Contas da União, da Receita Federal e do Banco Central que
analisaram para o Congresso a documentação dos negócios da Petrobras com a SBM.
Comprovaram, por exemplo, que a diretoria da estatal subscreveu um contrato em
branco para a construção do navio-plataforma P-57. Isso aconteceu na
sexta-feira 1º de janeiro de 2008. O contrato de construção da P-57 (nº 0801.0000032.07.2),
que chegou à CPMI, não contém “informação expressa sobre seu valor”, relataram
os técnicos, por escrito, à Comissão Parlamentar de Inquérito.
Na cláusula específica (“Quinta — Preço e Valor”), os campos
simplesmente não foram preenchidos. Ficaram assim:
“5.1 O valor total estimado do presente CONTRATO é de R$ xxxxx (xxxx), compreendendo as seguintes parcelas:
5.1.1 R$ xxxxx (xxxx), correspondente aos serviços objeto do presente CONTRATO, sendo R$ _____ ( ) referente a serviços com mão-de-obra nacional e R$ _____ ( ), referente a serviços com mão de obra não residente;
5.1.2 R$ xxxxx (xxxx), correspondente aos reembolsos contratualmente previstos”.
“5.1 O valor total estimado do presente CONTRATO é de R$ xxxxx (xxxx), compreendendo as seguintes parcelas:
5.1.1 R$ xxxxx (xxxx), correspondente aos serviços objeto do presente CONTRATO, sendo R$ _____ ( ) referente a serviços com mão-de-obra nacional e R$ _____ ( ), referente a serviços com mão de obra não residente;
5.1.2 R$ xxxxx (xxxx), correspondente aos reembolsos contratualmente previstos”.
Quase um ano depois
Somente 207 dias depois — ou seja, passados sete meses — é que “esses valores foram ‘preenchidos’”, registraram os assessores da CPMI. O “Aditivo nº 1” foi assinado na terça-feira 26 de agosto de 2008, mas ainda sem especificar os valores completos dos serviços nacionais e estrangeiros. A plataforma P-57 foi vendida por US$ 1,2 bilhão à Petrobras. Por esse negócio, a SBM pagou US$ 36,3 milhões em propinas — o maior valor entre seus casos de corrupção no Brasil, como admitiu, em acordo de leniência com a promotoria da Holanda e o Departamento de Justiça dos EUA.
Somente 207 dias depois — ou seja, passados sete meses — é que “esses valores foram ‘preenchidos’”, registraram os assessores da CPMI. O “Aditivo nº 1” foi assinado na terça-feira 26 de agosto de 2008, mas ainda sem especificar os valores completos dos serviços nacionais e estrangeiros. A plataforma P-57 foi vendida por US$ 1,2 bilhão à Petrobras. Por esse negócio, a SBM pagou US$ 36,3 milhões em propinas — o maior valor entre seus casos de corrupção no Brasil, como admitiu, em acordo de leniência com a promotoria da Holanda e o Departamento de Justiça dos EUA.
A empresa holandesa confessou ter distribuído US$ 102,2 milhões em
subornos a dirigentes da Petrobras, entre 2005 e 2011. Assim, obteve 13
contratos de fornecimento de sistemas e serviços à estatal. Foram suas
operações mais relevantes no país, durante os últimos cinco anos da
administração Lula e no primeiro ano do governo Dilma Rousseff.
As propinas foram “para funcionários do governo brasileiro”,
constataram a Receita e o Ministério Público da Holanda. Os pagamentos, segundo
eles, fluíram a partir de empresas criadas pelo agente da SBM no Rio, Julio
Faerman, no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas. Faerman controlava
três (Jandell Investiments Ltd., Journey Advisors Co. Ltd. e Bien Faire Inc.) e
partilhava outra (Hades Production Inc.) com o sócio carioca Luis Eduardo
Barbosa da Silva. Quem assinou o contrato da P-57 foi Pedro José Barusco Filho,
que, na época, era gerente executivo da Diretoria de Engenharia e Serviços,
comandada por Renato de Souza Duque.
No mês passado, Barusco se apresentou à procuradoria federal.
Entregou arquivos, contas bancárias e se comprometeu a fazer uma confissão
completa em troca da atenuação de penalidades. Informou possuir US$ 97 milhões
guardados no exterior, dos quais US$ 20 milhões na Suíça já estão bloqueados.
Duque foi preso e depois liberado. Agora, enfrenta acusações de corrupção,
lavagem de dinheiro e tráfico de influência com políticos do Partido dos
Trabalhadores. Ele nega tudo.
A comissão parlamentar de inquérito identificou outros sete
funcionários da Petrobras envolvidos no processo de compra da P-57. Eles são:
Márcio Félix Carvalho de Bezerra; Luiz Robério Silva Ramos; Cornelius
Franciscus Jozef Looman; Samir Passos Awad; Roberto Moro; José Luiz Marcusso e
Osvaldo Kawakami. Um ano depois da assinatura do contrato, a P-57 entrou no
projeto de propaganda eleitoral do governo. Foi em outubro de 2009, quando Lula
preparava Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil, para disputar a eleição
presidencial de 2010.
O então presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, que é
filiado ao PT, formatou um calendário de eventos. Escolheu o período entre o
primeiro e o segundo turnos, em outubro de 2010, para o “batismo” da
plataforma, sob a justificativa do 57º aniversário da estatal. Era preciso, no
entanto, garantir a entrega antecipada do equipamento. O diretor Duque e seu
gerente Barusco recorreram ao agente da SBM no Rio. Faerman informou ser
possível, mas a custos extras. Seguiu-se uma negociação com os funcionários
Mario Nigri Klein, Ricardo Amador Serro, Antonio Francisco Fernandes Filho e
Carlos José do Nascimento Travassos.
Em abril de 2010, Duque aprovou a despesa extraordinária pela
antecipação da entrega da plataforma, apoiado por Barusco e outro gerente, José
Antônio de Figueiredo. Lula comandou o “batismo” da plataforma em comício em
Angra dos Reis (RJ), na quinta-feira 7 de outubro. A antecipação da entrega
para o evento, em meio à disputa presidencial, custou à Petrobras um extra de US$
25 milhões. A SBM enviou US$ 750 mil líquidos para empresas de Faerman nas
Ilhas Virgens Britânicas.
Tendo trabalhado por seis anos na estatal, nos anos 60, o agente
da SBM no Rio conhecia como poucos os chefes, suas carreiras e as áreas de
decisão na sede da Avenida Chile, no Centro. Mantinha encontros semanais com
alguns. Havia um padrão de abordagem, relata um engenheiro da Petrobras,
evitando citar nomes. Iniciante na estatal, nos anos 90, passou a receber
sucessivos elogios de um executivo da SBM no Rio, por seu desempenho nas
avaliações dos projetos de afretamento de sondas e plataformas, etapa decisiva
na rotina pré-contratual. “Fiquei empolgado. Afinal, era um simples
funcionário, estava começando e já recebia elogios de executivo de empresa de porte”,
contou. Um dia foi convidado para um jantar na Zona Sul.
A conversa suave, regada a vinho, derivou para seu trabalho na
seção de custos de afretamentos. Depois de escolher o prato, o funcionário da
Petrobras escutou uma proposta do representante, conhecido como o “homem forte”
da SBM: “Quero compartilhar com você parte da minha comissão”, disse-lhe,
apontando o dedo indicador para o alto, em alusão a eventuais lucros.
O incômodo à mesa é inesquecível: “Não dormi naquela noite. Depois
me convidaram várias vezes para trabalhar, até que desistiram. No início de
2012, quando rastreava propinas pagas no Brasil, o advogado da empresa
holandesa Zoe Taylor-Jones perguntou a Faerman sobre sua rotina de contatos,
presentes e propinas a funcionários da Petrobras. Ele negou, dizendo que se
limitava a “enviar cartões de Natal”.
É certo que o agente da SBM no Rio mantinha uma rede de
informantes no centro de decisões da estatal. Em junho de 2009, enviou a um dos
chefes da companhia holandesa o projeto da Petrobras para criação de estações
de liquefação de gás em alto-mar. “É informação muito confidencial nesse
estágio e tem implicações muito sérias se alguma coisa vazar”, advertiu.
A cúpula em Amsterdã recebeu, também, uma cópia do “Plano Diretor
do Pré-Sal”, classificado como “confidencial”, um mês antes de sua aprovação
pela diretoria-executiva da Petrobras. O documento foi copiado com a senha
“SG9W”, pertencente a Jorge Zelada, diretor Internacional. Ele admitiu, em
audiência no Congresso, a propriedade, mas negou o repasse do plano do pré-sal.
“A senha é como uma assinatura digital”, lembrou o gerente de segurança da
estatal, Pedro Aramis, em outra audiência.
Neste domingo, a Petrobras divulgou nota lembrando que, há dez
meses, “tem se empenhado em apurar todas as relações entre representantes da
empresa e representantes da SBM Offshore, buscando evidenciar eventuais desvios
de conduta”. Acrescentou que, nesse período, “uma Comissão Interna investigou
todos os empregados que tiveram participação direta ou indireta nos processos
de contratação com a SBM, independente da posição gerencial ou técnica, passada
ou presente, na companhia”.
“Mesmo sem encontrar evidências de suborno” — prossegue —
recomendou-se a continuidade da apuração “de indícios de atos impróprios”. As
informações obtidas “foram encaminhadas às autoridades”, conclui a Petrobras
Por Reinaldo Azevedo
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