
Temos de estar
preparados para a possibilidade de pessoas que cometeram crimes, como os
empreiteiros ou o doleiro Alberto Youssef, dizerem a verdade. E isso não os
torna inocentes. Apenas põe as coisas nos seus devidos termos. Se qualquer um
dos presos da Operação Lava-Jato afirmar que a lei da gravidade existe, serei
obrigado a concordar. Nem precisarão insistir que o quadrado da hipotenusa
é igual à soma dos quadrados dos catetos porque, ora vejam!, é mesmo. É algo
que se pode verificar empiricamente. Nem é preciso recorrer à abstração do gato
de Schrödinger, que explica — ou complica — a mecânica quântica. Não entendeu
esse papo de gato? Pesquise lá. É fascinante. O que estou dizendo é que pessoas
pelas quais não nutrimos grande admiração moral podem falar a verdade.
Antonio Augusto
Figueiredo Basto, advogado de Youssef, apresentou nesta quarta à Justiça
Federal a defesa do doleiro. Lá está escrito, com todas as letras, que “agentes
políticos das mais variadas cataduras racionalizaram os delitos para permanecer
no poder, pois sabiam que, enquanto triunfassem, podiam permitir e realizar
qualquer ilicitude, na certeza que a opinião pública os absolveria nas urnas”.
Em suma: Youssef foi um serviçal de um projeto de poder. Não era o líder de
nada. O texto prossegue: “Não é preciso grandes malabarismos intelectuais para
reconhecer que o domínio da organização criminosa estava nas mãos de agentes
políticos que não se contentavam em obter riqueza material, ambicionavam poder
ilimitado com total desprezo pela ordem legal e democrática, ao ponto de o
dinheiro subtraído dos cofres da Petrobras ter sido usado para financiar
campanhas políticas no Legislativo e Executivo”.
Querem saber, o
advogado de Youssef fala a verdade. Ou alguém acredita que o doleiro chegou
metendo os pés da porta do Palácio do Planalto ou do Palácio do Congresso para
impor a sua vontade? Ou alguém acredita que, sem a liderança dos políticos,
Youssef teria conseguido vender os seus serviços? O petrolão não pode
terminar como o mensalão, com os agentes políticos já na rua, e a banqueira e o
publicitário presos. Afinal, a quem serviam e para quem trabalhavam?
Conversei com Basto
ontem à noite. Ele não está afirmando que seu cliente é inocente como as
flores. Se achasse que não cometeu crime nenhum, acordo de delação premiada
para quê? Ele busca justamente minimizar a pena desde que o acusado ou réu
ajude a iluminar os meandros do crime — logo, crime houve. Mas alguém é tolo o
bastante para supor que Youssef era chefe de alguma coisa?
Conheço as leis e
sei como e por que, no fim das contas, a banqueira Kátia Rabello está presa, em
regime fechado, condenada a 16 anos e 8 meses de cadeia, e José Dirceu, já em
prisão domiciliar e se organizando para disputar postos de poder no PT. Ora que
mimo! Ele acabou condenado por um crime: corrupção ativa; ela, por quatro:
gestão fraudulenta, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de
quadrilha. Digamos que a pena dela tenha sido justa… E a dele?
Os advogados não se
assanhem a me explicar como funciona a tipificação dos crimes e a dosimetria.
Conheço isso tudo direitinho. Mas só se chega a essa perversidade técnica —
então a banqueira conseguiu fazer uma quadrilha para servir ao esquema
gerenciado por Delúbio, mas ele não é quadrilheiro? — porque a leitura inicial
do mensalão estava errada. E só se revelou com clareza nos votos de alguns
ministros, muito especialmente Gilmar Mendes, Ayres Britto e Celso de Mello.
O mensalão foi uma
das ações empreendidas pelo PT para tomar o estado de assalto. Foi obra, como
definiu Celso de Mello no julgamento, de “marginais do poder”.
Qualquer pessoa que
leia direito o que vai aqui percebe que não estou pedindo para aliviar a barra
de ninguém, não. Até porque, parece-me, os bens que Youssef aceitou entregar à
União deixam claro que já não sairá incólume. Mas é preciso não perder de vista
o que está em curso.
Entendo que o
agente público que pratica delinquência mereceria uma pena ainda mais severa do
que a do agente privado: além de macular os interesses da coletividade, como
qualquer bandido, ele também trai a confiança que nele foi depositada pela
sociedade, por intermédio do ente estatal. Usa de uma posição de poder para
delinquir com menos risco.
Youssef certamente
não agia por ideologia, partidarismo, convicção ou o que seja. A população
brasileira não depositou nele sua boa-fé e suas esperanças. Mas o que dizer
daqueles para os quais trabalhou, com quem negociou, para os quais
operou?
Por
Reinaldo Azevedo
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