
No início da tarde da quinta-feira
(17), no interior do Maranhão, os repórteres Eduardo Faustini e Luiz Cláudio
Azevedo investigavam denúncias de desvio de dinheiro público em duas cidades:
Anapurus e Mata Roma, que ficam a cerca de três horas e meia de carro da
capital, São Luís. Assista aqui!
A equipe parou para almoçar em uma
churrascaria, na estrada que liga os dois municípios. Depois do almoço, já no
carro, os repórteres foram surpreendidos por um outro carro, que saiu da
estrada e bloqueou a equipe. Três homens saltaram e apareceram mais quatro a
pé.
O bando cercou os repórteres. Dois
bandidos entraram no banco de trás. Os repórteres explicaram que são
jornalistas da TV Globo e estavam trabalhando em uma reportagem para o
Fantástico e saíram do carro, para evitar o que parecia um sequestro. Foi
quando um dos homens tomou a câmera da equipe. Os ladrões fugiram em dois
veículos, levando a câmera.
No início da noite, testemunhas já
tinham identificado alguns dos envolvidos. “Eles são envolvidos com política.
Trabalham na prefeitura. São lá de dentro”, afirmou uma delas.
Ainda na quinta-feira (18), a polícia
identificou e prendeu o PM Raimundo Silva Monteles. Ele é sobrinho da prefeita
de Anapurus, Tina Monteles.
“Ele confirmou que participou da
ação. Diz que foi convidado para acompanhar dois ou três funcionários da
prefeitura de Anapurus para se deslocar para determinado local”, afirma Zanoni
Porto, comandante-geral da PM do Maranhão.
Durante todo o fim de semana, a
polícia fez buscas nas cidades de Anapurus e Mata Roma, à procura dos suspeitos
e do equipamento que foi roubado. As investigações continuam, e, pelas características
do crime, a polícia acredita que não tenha sido somente um roubo, mas uma
tentativa de interromper o trabalho dos jornalistas.
Em nota, a Associação Brasileira de
Emissoras de Rádio e Televisão se diz preocupada com ações criminosas que
buscam impedir a livre atuação da imprensa na investigação de fatos de
interesse público. A associação pede a apuração no caso e punição dos autores,
para que a liberdade de imprensa e o acesso dos cidadãos à informação sejam
assegurados.
Também em nota, a Abraji, Associação
Brasileira de Jornalismo Investigativo, afirma que identificar e punir todos os
responsáveis é indispensável, para que a impunidade não estimule a repetição de
casos semelhantes. E o Instituto Internacional de Segurança da Imprensa,
sediado em Londres pede que os agressores dos jornalistas sejam levados à
Justiça.
A polícia pediu a prisão de mais três
pessoas: o secretário de Finanças de Arapurus, Jairo Lisboa de Sousa; o
ex-candidato a vereador Manoel Francisco Monteles Neto; e Agnaldo Henrique
Alves.
Em nota, a Prefeitura de Anapurus
lamenta o ocorrido e pede às autoridades que esclareçam as circunstâncias do
caso.
“Com relação aos parentes, a cidade
de Anapurus, quase todo mundo é parente de todo mundo. Com relação a isso não
tem nenhum problema. Com relação a servidores do município envolvidos, serão
responsabilizados”, diz Márcio Wendles, advogado da prefeita de Anapurus-MA.
“Quando você atenta contra uma equipe
de jornalistas, você tá atentando realmente à democracia e vamos ser duros”,
destaca Marcos Afonso, secretário de Segurança do Maranhão.
A denúncia sobre um esquema de
laranjas que movimenta R$ 30 milhões, dinheiro público, em cidades pobres do
interior do Maranhão foi o que levou os jornalistas da TV Globo a serem
ameaçados e assaltados. São contratos municipais nas mãos de empresas
suspeitas, muitas delas não têm sede, e nem capacidade de prestar o serviço.
Mais uma vez, quem paga a conta é o cidadão comum. E o sofrimento começa na
mais básica das necessidades.
“Quando eu acordo de manhã, venho
para essa ponta de mato aqui fazer necessidade, xixi. Tudo pra cá”, conta a
lavradora Maria Santana.
A vizinha dela teve mais sorte,
aparentemente. Dona Maria mostra o banheiro construído pela Prefeitura há menos
de dois anos. A pia é de plástico. “Um parafuso aqui, outro aqui. Isso aqui,
qualquer coisinha quebra tudo. Nada presta aqui”, ela diz.
Mata Roma e Anapurus são cidades
pequenas, cada uma com pouco menos de 16 mil habitantes. Moradores da Zona
Rural sofrem com a falta de saneamento básico.
A lavradora Cristiane Teixeira nunca
usou um banheiro. “Tenho 21 anos, nasci aqui e nunca usei. Nunca tomei banho de
banheiro”.
Dorival Mendes Nascimento, lavrador,
mora há 40 anos na região e nunca teve água em um chuveiro: “Tem que tirar água
do meu poço, e agora chegou esse poço”.
Mas, para os moradores, o poço ainda
não chegou de vez. “Eles apareceram para fazer esse poço, final de maio, agora
de 2014. Só fizeram furar”, diz Cristiane Teixeira dos Santos, lavradora.
Nos dois municípios, essas obras são feitas
com dinheiro público. Empresas negociaram nas duas cidades contratos que,
somados, chegam a R$ 30 milhões.
Em Mata Roma, a construtora Santa
Margarida recebeu, só em 2012, mais de R$ 2,2 milhões para abastecimento e
saneamento. A proprietária é Rejânia Maria Pinheiro dos Santos. Ela se recusou
a falar com o Fantástico.
Em uma rede social, Rejânia aparece
em uma foto abraçando José Ári, irmão de criação dela. No papel, José Ári é
dono de outra construtora, a São Lourenço, que presta serviço ao mesmo município.
Também no papel, a São Lourenço é capaz de fazer perfuração e construção de
poços de água.
Mas veja o que José Ári responde
quando o repórter Eduardo Faustini pergunta pela empresa.
José Ári: Que empresa?
Faustini: A sua empresa, que você presta serviço.
José: Eu?
Faustini: É.
José: Eu não. Não é eu, não.
Faustini: Você não tem empresa?
José: Não.
Em seguida, ele dá outra explicação:
“Eu saí há uns três meses”.
Técnicos da Controladoria-Geral da
União fiscalizaram as obras feitas com dinheiro público no município. Segundo o
relatório da CGU, a construtora São Lourenço, de José Ári, não está apta a
executar obras ou serviço de engenharia.
Outro esquema é no aluguel de
veículos para a mesma prefeitura. Segundo a CGU, as locadoras Matarromense e
Abiviagens receberam, em apenas um ano, R$ 537 mil pelo serviço de transporte
escolar.
No papel, Valdecy Garreto Silva é o
dono da Matarromense, uma das maiores locadoras da região. A empresa também tem
contratos em Anapurus.
Faustini: O senhor é o único dono dessa
empresa?
Valdecy: Não, é um irmão meu que… Eu
tenho um irmão meu. É só no meu nome, ela, mas ele que resolve tudo aí.
Faustini: Quanto o senhor ganha nessa
empresa?
Valdecy: Eu não sei nada.
Josivan, irmão de Valdecy, foi
vereador em Mata Roma e tem mais empresas de locação de veículos. Na rua que
consta como endereço no registro da Matarromense, não existe empresa nenhuma, e
nem casa com a numeração fornecida à junta comercial. Josivan não foi
encontrado pelo Fantástico.
A outra locadora que atende à Prefeitura
de Mata Roma se chama Abiviagens. Segundo a CGU, os pagamentos à empresa, de R$
537 mil, não poderiam ter sido feitos devido a várias irregularidades. Na sede
da Abiviagens, encontramos Elânia Araújo de Almeida. Ela é funcionária da
Prefeitura de Mata Roma desde 2006. Mesmo assim, foi sócia do marido, Abimael
Reis, quando a Abiviagens já tinha conseguido o contrato municipal.
Faustini: Você é sócia da empresa.
Elânia: Não.
Faustini: No contrato, você não está?
Elânia: Não, eu saí.
Faustini: Você passou as suas cotas pra
quem?
Elânia: Foi… É outra pessoa. Parece que
a filha dele.
Procurado pelo Fantástico, Abimael
Reis não quis falar.
São muitos os laranjas nessa
história. Mas encontramos ainda mais irregularidades.
Em Anapurus, onde a população se
queixa da falta de saneamento básico, o mestre de obras que fiscaliza a
construção dos banheiros diz que recebe o salário em dinheiro vivo, diretamente
das mãos do secretário de Infraestrutura, Júlio Neto. “Eu recebo pelo Júlio
Neto. É dinheiro “em peça” mesmo. O patrão passa o dinheiro pra mim, pago meus
trabalhadores. E é assim”, ele conta.
O
secretário de Infraestrutura de Anaparus – MA, Júlio Neto, nega a
irregularidade nos pagamentos: “Ele recebe da construtora, viu? Agora, eu vou
fiscalizar. Eu tenho que fazer a minha parte como secretário”.
Ainda em Anapurus, a empresa Premier tem R$ 3 milhões em contratos para
construção e manutenção de estradas e ruas. No papel, o dono é Javé Ferreira da
Costa Lima. Só que ele é operário concursado da empresa de águas do estado.
Faustini: Só um minuto. Eu quero falar
sobre a sua empresa. Por que você não pode falar?
Javé: Não quero falar.
Faustini: Só um instante.
Javé: Dá licença!
Faustini: eu preciso falar contigo
Javé: Não tenho nada para falar.
Faustini: Eu quero falar sobre a sua
empresa que presta serviço para a Prefeitura de Mata Roma.
Procurada pelo Fantástico, a prefeita
de Mata Roma, Carmen Neto, não foi encontrada nem retornou recado que nossa
equipe deixou na Câmara de Vereadores.
Já o advogado da prefeita Tina
Monteles, de Anapurus, diz que ela não cometeu irregularidades: “Nós temos
todos os processos licitatórios na maior transparência. Todas as obras estão
lá”, afirma.
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