


Fonte: http://veja.abril.com.br/
Em um país de instituições mais
frágeis, a prisão por suspeita de corrupção de altos executivos das maiores
empresas nacionais não se efetivaria nunca ou produziria uma crise
institucional profunda. Antes, portanto, de entrarmos nos detalhes dessa
pescaria da Polícia Federal em águas sujas da elite empresarial, celebremos a
maturidade institucional do Brasil — a mesma que foi posta à prova e passou com
louvor quando o Supremo Tribunal Federal (STF) mandou para a penitenciária a
cúpula do partido no poder responsável pelo escândalo do mensalão.
Esse senhor pesadão, bem vestido,
puxando uma maleta com algumas mudas de roupa e itens de higiene pessoal, não
está se dirigindo a um hangar de jatos executivos para mais uma viagem de
negócios. Ele está sendo conduzido por policiais para uma temporada na cadeia.
A foto ao lado mostra o engenheiro Ricardo Pessoa, dono da empreiteira UTC,
apontado por investigações da Operação Lava-Jato como o “chefe do clube”. Um
clube muito exclusivo, diga-se. Dele só podiam fazer parte grandes empresas que
aceitassem as regras do jogo de corrupção na Petrobras. Por mais de uma década,
os membros desse clube se associaram secretamente a diretores da estatal e a
políticos da base aliada do governo para operar um dos maiores esquemas de
corrupção já desvendados no Brasil — e, por sua duração, volume de dinheiro e
penetração na mais alta hierarquia política do país, talvez um dos maiores do
mundo.
Dono de uma holding que controla
investimentos bilionários nas áreas industrial, imobiliária, de infraestrutura
e de óleo e gás, Pessoa foi trancafiado numa cela da carceragem da Polícia
Federal. Ele e outros representantes de grandes empreiteiras que se juntaram
para saquear a maior estatal brasileira e, com o dinheiro, sustentar uma
milionária rede de propinas que abasteceu a campanha de deputados, senadores e
governadores — e, mais grave ainda, segundo declaração do doleiro Alberto
Youssef à Justiça, tudo isso teria se passado sob o olhar complacente do
ex-presidente Lula e de sua sucessora reeleita, Dilma Rousseff.
Na ação policial de sexta-feira foram
presos dirigentes de empresas que formam entre as maiores e politicamente mais
influentes do Brasil: OAS, Camargo Corrêa, Mendes Júnior, Queiroz Galvão, UTC,
Engevix, Iesa e Galvão Engenharia. Essas companhias são responsáveis por quase
todas as grandes obras do país. Os policiais federais vasculharam as salas das
empresas ocupadas pelos suspeitos presos e também suas casas. Embora tendo
executivos seus citados por Youssef e Paulo Roberto Costa, o ex-diretor da
Petrobras preso em março, que está contribuindo nas investigações, não foram
alvos das investidas policiais da sexta-feira passada dirigentes de outros dois
gigantes do ramo: a Odebrecht e a Andrade Gutierrez. O juiz Sergio Moro recebeu
pedido dos procuradores para emitir ordem de prisão contra dois altos
executivos da Odebrecht. Negou os dois, mas autorizou uma incursão na sede da
empresa em busca de provas.
“Hoje é um dia republicano. Não há rosto e bolso na República”,
declarou o procurador Carlos Fernando Lima, integrante da força-tarefa
encarregada da Lava-Jato, a origem da investigação.
No rol dos empreiteiros caçados pela
polícia estavam megaempresários, como Sérgio Mendes, da Mendes Júnior, João
Auler e Eduardo Hermelino Leite, da Camargo Corrêa, Ildefonso Colares Filho e
Othon Zanoide, da Queiroz Galvão, Léo Pinheiro, da OAS, e Gerson Almada, da Engevix.
Uma parte dos alvos não havia sido localizada pela polícia até o fim da tarde
de sexta. Alguns estavam em viagem no exterior e foram incluídos na lista de
procurados da Interpol. O juiz Moro bloqueou 720 milhões de reais em bens dos
investigados.
O papel central de Ricardo Pessoa, da
UTC, no esquema foi detectado logo no princípio das investigações. Não demorou
muito para que os policiais e procuradores não tivessem mais dúvida. Aos
curiosos com sua prosperidade crescente nos últimos anos, Ricardo Pessoa dava
uma explicação que, até o estouro do escândalo, parecia apenas garganta: “Só
tenho um amigo no governo: o Lula”. Pessoa coordenava o cartel, do qual
participavam treze empreiteiras. Esse grupo de privilegiados se encontrava para
decidir o preço das obras na Petrobras, dividir as responsabilidades pela
execução de cada uma delas — e, o principal, o valor da propina que deveria
sobrar para abastecer os escalões políticos. Tecnicamente, esse era o grupo dos
corruptores. Os diretores da Petrobras participantes do esquema eram os
corruptos. De cada contrato firmado com a Petrobras, os empresários recolhiam
3% do valor, que se destinava a um caixa clandestino. O pagamento era feito de
diversas maneiras: em dinheiro vivo e em depósitos no exterior ou no Brasil
mesmo, em operações maquiadas como prestação de serviços, principalmente de
consultoria — um termo vazio de significado, mas que transmite um certo ar de
austeridade e necessidade.
As empreiteiras do esquema firmavam
contratos de consultoria com empresas de fachada que embolsavam o dinheiro e
davam notas fiscais para “limpar” as operações, que pareciam protegidas por uma
inexpugnável confraria de amigos posicionados nos lugares certos em Brasília e
na Petrobras. Os recursos desviados abasteciam o PT, o PMDB e o PP, os três
principais partidos da base de apoio do governo federal. A investigação mapeou
o caminho da propina paga por várias das integrantes do clube. Entre 2005 e
2014, o grupo OAS, por exemplo, repassou pelo menos 17 milhões em propinas apenas
por meio do doleiro Alberto Youssef.
Além dos empreiteiros e de seus
principais executivos, também foi preso o ex-diretor da Petrobras Renato Duque,
apontado como o homem que, no fatiamento da propina, cuidava da parte que cabia
ao PT. Esse elo que a polícia começa a fechar entre o diretor corrupto e a
empresa corruptora tem atormentado deputados, senadores petistas e altos
dirigentes do governo. Funcionário de carreira, Duque entrou na Petrobras em
1978 — um ano depois de Paulo Roberto Costa — por concurso. Galgou alguns
postos ao longo de sua trajetória, mas sua nomeação como diretor, em 2003,
surpreendeu a todos. Duque era, então, chefe de setor, alguns níveis
hierárquicos abaixo da diretoria. Nunca antes na história da Petrobras um chefe
de setor havia ascendido sem escalas à cúpula. A explicação logo se tornou
pública. Duque era o escolhido de José Dirceu, com quem tinha um relacionamento
antigo. Discreto e de temperamento afável, Duque procurava não ostentar. Entre
2003 e 2012, ele reinou absoluto na diretoria de Serviços. Paulo Roberto Costa
revelou à Justiça que, por lá, 3% do valor dos contratos era repassado
exclusivamente ao PT.
A polícia já descobriu onde estão as
contas bancárias que receberam parte desses recursos. Elas foram identificadas
por Julio Camargo, dirigente da Toyo, outra empreiteira envolvida no escândalo,
que também fez acordo com a Justiça para contar o que sabe. E ele sabe muito,
principalmente sobre a distribuição de dinheiro ao partido que está no governo
há doze anos e a alguns de seus altos dirigentes. Foi com base no depoimento de
Julio que a polícia decidiu pedir a prisão temporária de Duque e colocar outro
funcionário da Petrobras no radar: Pedro José Barusco, que atuou como gerente
de engenharia. Barusco só não foi preso porque propôs um acordo de delação
premiada. Os policiais também chegaram a uma personagem que leva o escândalo ao
coração do PT: Marice Correa de Lima, cunhada de João Vaccari, tesoureiro do partido,
outro investigado. Marice lidava com o que o doleiro Youssef chama de “reais
vivos”. Em dezembro do ano passado, a cunhada do tesoureiro do PT recebeu no
apartamento onde mora, em São Paulo, 110 000 reais. Origem das cédulas: a
construtora OAS. Marice é também mais um elo a ligar o petrolão ao mensalão. A
petista apareceu nas investigações do grande escândalo do governo Lula como
encarregada de pagamentos. Outro alvo da operação de sextafeira, o lobista
Fernando Soares, o Baiano, é apontado como o arrecadador do PMDB na Petrobras.
Baiano estava foragido. Sua prisão vai ajudar a esclarecer outras frentes de
corrupção na estatal — entre elas, a rede de propinodutos instalada no negócio
da compra da refinaria de Pasadena, no Texas. E os resultados da Operação
Lava-Jato estão apenas começando a aparecer.
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